quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Segundos cruzados


O furgão trafega em alta velocidade, atrasado para uma entrega de duzentas caixas, a última do dia. Motorista e carregador preocupados, a demora não foi sua culpa, mas sabem que a bronca cairá neles. Faltam oito minutos. Os times se alternam no placar e os ânimos estão exaltados. Pressão sobre os árbitros. Tudo se encaminha para uma decisão nos segundos finais. Cinco minutos. Próximo a uma favela o asfalto é irregular e o trânsito intenso. A grande quantidade de gente circulando aumenta a insegurança do lugar. Crianças sem pátios brincam pelas calçadas. No cruzamento da avenida, a sinaleira muda para o amarelo. O furgão acelera para atravessar o sinal. Na transversal, um caminhão-caçamba aumenta a velocidade quando percebe o sinal passando para o verde. Com o choque, o furgão é arremessado contra um poste na diagonal oposta. Os vidros se quebram com o impacto, a porta da câmara frigorífica se escancara. Mães aflitas correm a conferir seus filhos que brincavam soltos na rua. Tumulto. Menos de um minuto. A partida empatada e o time azul tem dois lances-livres a seu favor. O jogador bate a bola no chão duas vezes, respira fundo, flexiona os joelhos, arremessa. A bola bate na ponta do aro, gira no ar, rebate na tabela e cai para o lado. Onze segundos. O furgão está rodeado pelos moradores da vila, em torno de cinquenta pessoas ou mais. Xingam o motorista imprudente, gritam. Cercam o furgão, de olho na carne que está ali, debaixo de seus narizes. O motorista conversa com os agentes de trânsito, pressente o perigo, solicita ajuda policial. Os agentes querem liberar o tráfego, mas com o povo em volta é impossível. Acionam a Brigada Militar. O jogador respira fundo, olha para o aro, respira de novo. A flexão dos joelhos é mecânica, o arremesso é suave, direto para a rede. Um ponto de vantagem. Fundo bola para o time amarelo, cronômetro correndo. O armador tem uma quadra inteira para atravessar. Dez segundos. Só era preciso que houvesse um primeiro. Empurrou o motorista, agarrou duas caixas e saiu correndo. Os demais avançam como uma locomotiva, pegando os volumes conforme o seu tamanho permite, dois, três, os mais fortes com quatro. Motorista e carregador chegam a esboçar uma reação, mas percebem ser inútil. Apenas ficam acompanhando. Oito segundos. O armador do time amarelo vem batendo a bola com velocidade. Na cabeça do garrafão para o drible. A marcação relaxa por um instante. Ele arranca novamente e entra na bandeja. Cinco segundos. Duas viaturas atendem ao chamado da central. Ligam suas sirenes e disparam para o local do acidente. Quatro segundos. Carrega a bola em sua mão direita. A defesa acompanha o movimento. A bola é trocada de mão e o corpo muda de rumo. A defesa tenta se recompor. Traz a bola novamente para a mão direita e a arremessa num meio gancho contra a tabela. O barulho no ginásio é grande, o juiz apita, a mesa toca a sirene de final de jogo enquanto a bola continua rodando no aro. Dá três voltas e não entra. O juiz do fundo corre apitando em direção à mesa, o outro em direção à linha do lance-livre. Falta, dois lances. Cronômetro zerado. Da mesma forma que vieram, foram-se todos, deixando apenas o furgão depenado. O motorista e o carregador sentam-se no meio-fio, olhos vidrados, o susto custa a passar. Lembram que ainda não entraram em contato com o frigorífico. Os agentes de trânsito, como se nada tivesse acontecido, dirigem-se ao caminhão-caçamba para falar com o seu motorista. Pega a bola para o primeiro lance-livre, respira, cochicha para ela e arremessa. Jogo empatado. Os brigadianos chegam com estardalhaço, armas em punho, mas só conseguem arrancar sorrisos disfarçados de alguns curiosos que se encontram nas imediações. O armador se prepara para o segundo arremesso. Segue o mesmo ritual, respira fundo, cochicha alguma coisa para a bola e arremessa. A noite vai ser de festa.

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